Um biosensor desenvolvido por pesquisadores
do Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano), em Campinas, mostrou-se capaz
de detectar moléculas relacionadas a doenças neurodegenerativas e alguns tipos
de câncer.
Trata-se de um dispositivo eletrônico
manufaturado sobre uma plataforma de vidro. Nele, um transistor é formado por
uma camada orgânica em escala nanométrica, contendo o peptídeo glutationa
reduzida (GSH), que reage de maneira específica quando em contato com a enzima
glutationa S-transferase (GST), relacionada a doenças como Parkinson, Alzheimer
e câncer de mama, entre outras. A reação GSH-GST é detectada pelo transistor e
pode ser utilizada no diagnóstico.
O biossensor foi desenvolvido no âmbito do
Projeto Temático “Desenvolvimento de novos materiais estratégicos para
dispositivos analíticos integrados”, realizado com o apoio da FAPESP, que reúne
pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento em torno da tecnologia dos
dispositivos point of care, sistemas de teste simples executados junto ao
paciente.
“Utilizando plataformas como esta, doenças
complexas poderão ser diagnosticadas de forma rápida, segura e relativamente
barata, uma vez que a tecnologia utiliza sistemas em escala nanométrica para
identificar as moléculas de interesse no material analisado”, explica Carlos
Cesar Bof Bufon, coordenador do Laboratório de Dispositivos e Sistemas
Funcionais (DSF) do LNNano e pesquisador associado ao projeto coordenado pelo
professor Lauro Kubota, do Instituto de Química da Unicamp.
Além da portabilidade e do baixo custo, Bufon
destaca como vantagem do biossensor em escala nanométrica a sensibilidade com
que o dispositivo detecta as moléculas.
“Pela primeira vez a tecnologia de um
transistor orgânico é utilizada para detecção do par GSH-GST, visando
diagnosticar doenças degenerativas, por exemplo. Isso possibilitará a detecção
de tais moléculas mesmo presentes em baixas concentrações no material
examinado, uma vez que as reações são detectadas em escala nanométrica, ou
seja, de milionésimos de milímetros.”
O sistema pode ser adaptado para detecção de
outras substâncias, como moléculas relacionadas a diferentes doenças e
elementos presentes em material contaminado, entre outras aplicações. Para
isso, alteram-se as moléculas incorporadas no sensor, que reagirão na presença
dos componentes químicos que são alvo de análise no ensaio, chamados de
analitos.
“O DSF do LNNano tem desenvolvido uma variedade
de plataformas para sensoriamento químico, físico e biológico voltadas a
setores estratégicos nacionais e internacionais, incluindo saúde, meio ambiente
e energia”, diz Bufon.
O objetivo, conta o pesquisador, é “ter em
mãos uma série de soluções em dispositivos point of care para responder com
agilidade a uma série de demandas”. Por exemplo, surtos de doenças ou análise
de analitos contaminantes, como o chumbo e toxinas em amostras de água.
A pesquisa que levou ao desenvolvimento do
biossensor para detecção de moléculas relacionadas a doenças neurodegenerativas
e a alguns tipos de câncer foi relatada no artigo Water-gated phthalocyanine
transistors: Operation and transduction of the peptide–enzyme interaction,
publicado na revista Organic Electronics.
O trabalho é de autoria dos pesquisadores
Rafael Furlan de Oliveira, Leandro das Mercês Silva e Tatiana Parra Vello, sob
a coordenação de Bufon, todos do DSF do LNNano.
DO
VIDRO AO PAPEL
Com o objetivo de reduzir ainda mais os
custos, melhorar a portabilidade dos biossensores desenvolvidos e facilitar seu
processo de manufatura e descarte, o grupo vem trabalhando em sistemas de
detecção de substâncias em plataformas de papel.
“O papel, enquanto plataforma para a
fabricação de dispositivos analíticos, apresenta uma série de vantagens por se
tratar de um polímero natural, amplamente disponível em todo o mundo, leve,
biodegradável, portátil e dobrável”, diz Bufon.
O desafio é converter um material isolante,
caso do papel, em condutor. Para isso, o pesquisador desenvolveu uma técnica
que possibilita impregnar nas fibras de celulose polímeros com propriedades
condutoras, tornando-o capaz de conduzir eletricidade e transmitir informações
de um ponto a outro e permitindo atribuir a ele a função de um sistema para
sensoriamento.
“A técnica é baseada na síntese in situ de
polímeros condutores. Para que esses polímeros não fiquem retidos na superfície
do papel, é necessário que eles sejam sintetizados dentro dos poros da fibra de
celulose e entre eles. Para isso, o processo é feito por meio de uma rota de
polimerização química a vapor: um agente oxidante líquido é incorporado ao
papel, que, em seguida, é exposto aos monômeros (pequenas moléculas capazes de
se ligarem a outras) na fase de vapor. Ao evaporarem sob o papel, os monômeros
entram na fibra em escala submicrométrica, penetrando entre os poros, onde
encontram o agente oxidante e iniciam o processo de polimerização ali mesmo,
impregnando todo o material”, explica.
Ainda de acordo com o pesquisador, “é como tentar
encher uma sala com balões; se eles não passam pela porta cheios de ar, uma
alternativa é enchê-los lá dentro”.
Uma vez impregnado pelos polímeros, o papel
passa a ter as propriedades condutoras deles. Essa condutividade pode ser
ajustada dependendo da aplicação que se queira dar ao papel, manipulando-se o
elemento que é incorporado à fibra de celulose. Dessa forma, o dispositivo pode
ser condutor de corrente elétrica, levando-a de um ponto a outro sem grandes
perdas (imagine antenas de papel, por exemplo), ou semicondutor, interagindo
com moléculas específicas e funcionando como sensor físico, químico ou
eletroquímico.
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