Ítalo
Batista Ventura da Silva - Acadêmico do 2º período de Biomedicina
O diabetes é uma afecção
muito complexa que há milênios assola a humanidade. Hoje com o avanço
tecnológico e a evolução da medicina moderna é possível, para quem tem a
doença, conviver muito bem e com muita qualidade de vida com o diabetes. Mas
nem sempre foi assim. Existem documentos que relatam o quanto as pessoas
sofriam por causa da enfermidade quando esta não era compreendida
fisiologicamente, como um escrito dos Aretaeus do Século II D.C. que diz “O
diabetes é uma aflição horrorosa, não muito frequente entre os homens, em que
as carnes, os braços e as pernas se derretem na urina. Os doentes nunca param
de urinar, e o fluxo é incessante como a abertura de um aqueduto. A vida é
pequena, desagradável e dolorosa”.
Por definição do Internacional
Consensus on the diabetic foot by the Internacional Working Group on the
diabetic foot, "Pé Diabético" é a infecção, ulceração e/ou
destruição de tecidos profundos associados com anormalidades neurológicas e
vários graus de doença vascular periférica no membro inferior. Ou seja, o fato
de um indivíduo ser diabético não significa que este possua o pé diabético,
pois as condições que o definem são obrigatoriamente as que foram anteriormente
citadas.
Figura 2 -
Distribuição do percentual de diabéticos no Brasil por gênero
A Pesquisa Nacional de
Saúde, realizada pelo Ministério da Saúde em parceria com o IBGE, mostra que o
diabetes atinge 9 milhões de brasileiros – o que corresponde a 6,2% da
população adulta. As mulheres (7%) apresentaram maior proporção da doença do
que os homens (5,4%) – 5,4 milhões de mulheres contra 3,6 milhões de homens. Os
percentuais de prevalência da doença por faixa etária são: 0,6% entre 18 a 29
anos; 5% de 30 a 59 anos; 14,5% entre 60 e 64 anos e 19,9% entre 65 e 74 anos.
Para aqueles que tinham 75 anos ou mais de idade, o percentual foi de 19,6%.
- 1%
dos diabéticos serão submetidos à amputação.
- A
causa mais frequente de internação de diabéticos é devido a transtornos nos
pés.
- Após
a cicatrização a probabilidade de reincidência de lesão nos pés é de 50% em
dois anos.
- Após
uma amputação, a probabilidade de amputação contralateral é de 6% a 15% ao ano,
e de 56% em cinco anos.
Figura 3 - Lesão
vascular, aterosclerose
|
O pé diabético pode ser
classificado de acordo com as suas características, que podem ser infeccioso,
neuropático, isquêmico ou osteoarticular. Podendo estas afecções serem isoladas
ou associadas como:
- Neuropatia
pura – quando um paciente chega a determinados graus do diabetes pode
desenvolver a perda da sensibilidade, que pode ser tátil, pressórica,
vibratória, dolorosa ou térmica, ou a perda de mais de uma ao mesmo tempo.
- Isquemia
pura – Ocorre quando o paciente tem obstrução arterial nos grandes vasos do
membro inferior, com isso o aporte sanguíneo para os membros inferiores fica
diminuído, o que complica a nutrição dos tecidos e as trocas gasosas que
garantem a vida das células. Esta diminuição do oxigênio chama-se hipóxia,
quando está muito severa chama-se anóxia, neste momento morrem as células e
formam-se feridas, normalmente em pontos de pressão e atrito.
- Infecção
pura – Ocorre quando o paciente tem uma cicatrização tardia, por isso propensão
do desenvolvimento de infecções é maior, porque as feridas passam muito tempo
abertas, este fenômeno associado à hiperglicemia complica em muito o quadro
infeccioso, dessa maneira as infecções em pés diabéticos se manifestam e
proliferam 3 à 5 vezes mais rápido que em não diabéticos.
- Neuropatia
e infecção – Os dois fenômenos estão associados.
- Isquemia
e infecção - Os dois fenômenos estão associados.
- Neuropatia
e isquemia - Os dois fenômenos estão associados.
- Neuropatia,
infecção e isquemia – Mais grave condição, pois os três fenômenos estão
associados.
- Osteoarticular
– esta condição está associada ao desvio das articulações como dedos em garra,
dedos em martelo ou joanetes, em casos mais graves está relacionado com a
polineuroartropatia de Charcot. Exige o tratamento medicamentoso e ortésico com
palmilhas, órteses padding ou órteses de silicone. O tratamento cirúrgico
muitas vezes se faz necessário, o pós operatório normalmente é muito delicado e
envolve grande risco de infecção e novas amputações no mesmo seguimento do
coto.
Figura 4 -
ulcera medial ao calcâneo em paciente isquêmico
|
O pé diabético é um problema multifatorial que carece de um tratamento
interdisciplinar, não sendo conveniente que nenhuma área do conhecimento que
possa beneficiar o paciente seja negligenciada. Neste caso não há espaços para
o corporativismo, tendo em vista apenas o bem estar do paciente.
Figura 5 -
Pontos de avaliação para o monofilamento no pé de pacientes diabéticos com
suspeita de neuropatia.
|
O tratamento podológico
consiste basicamente na prevenção nos casos em que o paciente não teve nenhum
caso de amputação, e pós operatório para os casos de pacientes amputados, bem
como a proteção ortésica do coto dos pacientes recuperados de amputação. A
prevenção se faz por meio de avaliação dermatológica a fim de determinar a
presença de lesões elementares que possam causar algum prejuízo à saúde do
diabético. Realizam-se testes de avaliação neurológica dos reflexos tendinosos
e somatossensoriais, avaliação vascular com o cálculo do ITB (Índice Tornozelo
Braço), a fim de identificar a presença de isquemia, avaliação ortopédica e
postural da qualidade da deambulação e goniometria para determinar a amplitude
de movimento articular. Avalia-se ainda a distribuição do peso do corpo sobre a
planta dos pés por meio de plantigrafia, fotopodoscopia e baropodometria
computadorizada. Com todo este arsenal se pode confeccionar órteses muito mais
precisas, funcionais e adaptáveis.
Figura 6 -
Plantígrafo
Figura 7 -
Podoscópio
Figura 8 -
Baropodometria computadorizada
No pós operatório, o
paciente amputado é submetido ao acompanhamento criterioso dos curativos
domésticos e os diferentes tipos de coberturas ali realizados, orientação
familiar sobre os cuidados domésticos com a ferida, cuidados ambulatoriais para
ajudar a estimular a cicatrização como o uso de fototerapia (LASER e LED), eletroterapia
(TENS, microcorrentes, alta frequência), oxigênioterapia ou ozônioterapia entre
tantas outras modalidades terapêuticas complementares.
Figura 10 – Pós
operatório em paciente amputado. Tratamento realizado com fototerapia a laser
E por fim a proteção
ortésica, que consiste na confecção de diferentes tipos de órteses que
facilitam a utilização de calçados e próteses, a fim de que os pacientes não
sofram lesões recorrentes.
Figura 11 -
Ortoplastia aplicada em calo interdigital para prevenir ulceração
Figura 12 -
Confecção de órteses plantares (palmilhas)
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