sábado, 8 de outubro de 2016

O pé diabético e suas complicações

Ítalo Batista Ventura da Silva -  Acadêmico do 2º período de Biomedicina



O diabetes é uma afecção muito complexa que há milênios assola a humanidade. Hoje com o avanço tecnológico e a evolução da medicina moderna é possível, para quem tem a doença, conviver muito bem e com muita qualidade de vida com o diabetes. Mas nem sempre foi assim. Existem documentos que relatam o quanto as pessoas sofriam por causa da enfermidade quando esta não era compreendida fisiologicamente, como um escrito dos Aretaeus do Século II D.C. que diz “O diabetes é uma aflição horrorosa, não muito frequente entre os homens, em que as carnes, os braços e as pernas se derretem na urina. Os doentes nunca param de urinar, e o fluxo é incessante como a abertura de um aqueduto. A vida é pequena, desagradável e dolorosa”.

Por definição do Internacional Consensus on the diabetic foot by the Internacional Working Group on the diabetic foot, "Pé Diabético" é a infecção, ulceração e/ou destruição de tecidos profundos associados com anormalidades neurológicas e vários graus de doença vascular periférica no membro inferior. Ou seja, o fato de um indivíduo ser diabético não significa que este possua o pé diabético, pois as condições que o definem são obrigatoriamente as que foram anteriormente citadas.



 Figura 2 - Distribuição do percentual de diabéticos no Brasil por gênero

A Pesquisa Nacional de Saúde, realizada pelo Ministério da Saúde em parceria com o IBGE, mostra que o diabetes atinge 9 milhões de brasileiros – o que corresponde a 6,2% da população adulta. As mulheres (7%) apresentaram maior proporção da doença do que os homens (5,4%) – 5,4 milhões de mulheres contra 3,6 milhões de homens. Os percentuais de prevalência da doença por faixa etária são: 0,6% entre 18 a 29 anos; 5% de 30 a 59 anos; 14,5% entre 60 e 64 anos e 19,9% entre 65 e 74 anos. Para aqueles que tinham 75 anos ou mais de idade, o percentual foi de 19,6%.
  • 1% dos diabéticos serão submetidos à amputação.
  • A causa mais frequente de internação de diabéticos é devido a transtornos nos pés.
  • Após a cicatrização a probabilidade de reincidência de lesão nos pés é de 50% em dois anos.
  • Após uma amputação, a probabilidade de amputação contralateral é de 6% a 15% ao ano, e de 56% em cinco anos.




Figura 3 - Lesão vascular, aterosclerose

O pé diabético pode ser classificado de acordo com as suas características, que podem ser infeccioso, neuropático, isquêmico ou osteoarticular. Podendo estas afecções serem isoladas ou associadas como:

  • Neuropatia pura – quando um paciente chega a determinados graus do diabetes pode desenvolver a perda da sensibilidade, que pode ser tátil, pressórica, vibratória, dolorosa ou térmica, ou a perda de mais de uma ao mesmo tempo.
  • Isquemia pura – Ocorre quando o paciente tem obstrução arterial nos grandes vasos do membro inferior, com isso o aporte sanguíneo para os membros inferiores fica diminuído, o que complica a nutrição dos tecidos e as trocas gasosas que garantem a vida das células. Esta diminuição do oxigênio chama-se hipóxia, quando está muito severa chama-se anóxia, neste momento morrem as células e formam-se feridas, normalmente em pontos de pressão e atrito.
  • Infecção pura – Ocorre quando o paciente tem uma cicatrização tardia, por isso propensão do desenvolvimento de infecções é maior, porque as feridas passam muito tempo abertas, este fenômeno associado à hiperglicemia complica em muito o quadro infeccioso, dessa maneira as infecções em pés diabéticos se manifestam e proliferam 3 à 5 vezes mais rápido que em não diabéticos.
  • Neuropatia e infecção – Os dois fenômenos estão associados.
  • Isquemia e infecção - Os dois fenômenos estão associados.
  • Neuropatia e isquemia - Os dois fenômenos estão associados.
  • Neuropatia, infecção e isquemia – Mais grave condição, pois os três fenômenos estão associados.
  • Osteoarticular – esta condição está associada ao desvio das articulações como dedos em garra, dedos em martelo ou joanetes, em casos mais graves está relacionado com a polineuroartropatia de Charcot. Exige o tratamento medicamentoso e ortésico com palmilhas, órteses padding ou órteses de silicone. O tratamento cirúrgico muitas vezes se faz necessário, o pós operatório normalmente é muito delicado e envolve grande risco de infecção e novas amputações no mesmo seguimento do coto.

                                         

Figura 4 - ulcera medial ao calcâneo em paciente isquêmico

O pé diabético é um problema multifatorial que carece de um tratamento interdisciplinar, não sendo conveniente que nenhuma área do conhecimento que possa beneficiar o paciente seja negligenciada. Neste caso não há espaços para o corporativismo, tendo em vista apenas o bem estar do paciente.


                                             

Figura 5 - Pontos de avaliação para o monofilamento no pé de pacientes diabéticos com suspeita de neuropatia.

O tratamento podológico consiste basicamente na prevenção nos casos em que o paciente não teve nenhum caso de amputação, e pós operatório para os casos de pacientes amputados, bem como a proteção ortésica do coto dos pacientes recuperados de amputação. A prevenção se faz por meio de avaliação dermatológica a fim de determinar a presença de lesões elementares que possam causar algum prejuízo à saúde do diabético. Realizam-se testes de avaliação neurológica dos reflexos tendinosos e somatossensoriais, avaliação vascular com o cálculo do ITB (Índice Tornozelo Braço), a fim de identificar a presença de isquemia, avaliação ortopédica e postural da qualidade da deambulação e goniometria para determinar a amplitude de movimento articular. Avalia-se ainda a distribuição do peso do corpo sobre a planta dos pés por meio de plantigrafia, fotopodoscopia e baropodometria computadorizada. Com todo este arsenal se pode confeccionar órteses muito mais precisas, funcionais e adaptáveis.
                                                     

Figura 6 - Plantígrafo




Figura 7 - Podoscópio



 Figura 8 - Baropodometria computadorizada

No pós operatório, o paciente amputado é submetido ao acompanhamento criterioso dos curativos domésticos e os diferentes tipos de coberturas ali realizados, orientação familiar sobre os cuidados domésticos com a ferida, cuidados ambulatoriais para ajudar a estimular a cicatrização como o uso de fototerapia (LASER e LED), eletroterapia (TENS, microcorrentes, alta frequência), oxigênioterapia ou ozônioterapia entre tantas outras modalidades terapêuticas complementares.




 Figura 10 – Pós operatório em paciente amputado. Tratamento realizado com fototerapia a laser

E por fim a proteção ortésica, que consiste na confecção de diferentes tipos de órteses que facilitam a utilização de calçados e próteses, a fim de que os pacientes não sofram lesões recorrentes.


 Figura 11 - Ortoplastia aplicada em calo interdigital para prevenir ulceração





Figura 12 - Confecção de órteses plantares (palmilhas)


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